segunda-feira, 5 de abril de 2010

Aquele teu jeito de passar a mão nos meus cabelos.

Ela olhou pela varanda, ainda sentada mesa da sala. Cercada de papéis, canetas, marca-textos, mais canetas, umas três lapiseiras diferentes (colecionava-as, tinha 0,03, 0,05 0,07 e 0,09 mm), réguas, tesouras e estiletes. Os cabelos presos num coque meio folgado que deixava a franja caindo no rosto, o óculos escorregando pela ponta do nariz.
A cabeça doía. Os olhos ardiam.
Trabalhava desesperada sem olhar pro relógio. Tinha medo de parar e olhar o relógio, perceber o tempo e mudar o foco.
Tinha medo de olhar pro relógio e lembrar que já faziam três dias e ela ainda não havia chorado. Tinha medo de pensar nisso e começar a chorar sem parar e passar os próximos três dias chorando.

Pôs a mão no queixo, apoiando a cabeça de leve. Piscou os olhos devagar.
Era sono.

Também tinha medo de ir pra cama antes de estar exausta. Os minutos antes de dormir podem ser cruéis com quem acaba de perder um amor, mas ela perdera mesmo?

Nem mesmo sabia o que pensar, nem sequer queria pensar.
Talvez devesse lutar, ou talvez estivesse melhor sem ele. Mas isso já era pensar.

Começou a reunir a bagunça de papéis e materiais de escritório. Colocou a franja atrás da orelha, se espreguiçou e o coque se desfez, espalhando o perfume dos cabelos. Mexeu um pouco nos fios soltos, ainda meio úmidos e sentiu falta daquele cafuné.

Era inevitável. Sentiu um arrepio percorrer o corpo, correu os olhos pela mesa cheia de pó da borracha, bem que poderia apagar tudo aquilo. Tirou os óculos, bocejou.

Desistiu de arrumar a mesa de trabalho, recomeçaria no dia seguinte de qualquer forma. Levantou e foi a passos arrastados até o quarto, abraçou o próprio corpo com seus braços frágeis, de fato precisava dele. Não sabia ser sozinha.
Esfregou os olhos vermelhos e jogou a camisola naquela cadeira no canto do quarto, fechou a persiana.
Sentou na cama, passou a mão pelo lençol macio. Juntou os travesseiros e deitou no meio da cama enorme. Cobriu o corpo, virou de lado e abraçou o travesseiro. Fechou os olhos úmidos, mas não chorou.

Mais um dia sem lágrimas. É mesmo melhor assim? Talvez precisasse desabar antes de recomeçar.
Talvez fosse preciso ser destruída antes de reconstruir a vida. Talvez devesse ser mais mulherzinha. Talvez...



então, dormiu sem sonhos.

4 comentários:

Luanne de Cássia disse...

Muito, muito criativo
apesar de eu ser quase sempre 'mulherzinha', ás vezes me sinto assim^^

Tai disse...

"Tinha medo de olhar pro relógio"
Não só quando perdemos um amor... + tb quando "prdmos"...!

Daniela de Carvalho Duarte disse...

Que lindo!
Gostei muito, muito mesmo do teu texto.
Tenho pena dela, porque, mais cedo ou mais tarde, a ficha vai cair. E aí ela vai sofrer muito. Espero que tenha um bom amigo ou amiga para chorar no colo!
Só uma dúvida... Ele morreu ou a abandonou?

Camilla Mendes disse...

Quase mastiguei a solidão e angústia desse texto. Difícil mesmo é falar de amor quando não se quer falar de dor e tudo que o consome. Ainda não sei como fazer isso. Mas sei sentir.